“Matemágica” política e a Reforma Tributária
novembro 27, 2020Durante as próximas 24 horas, faça chuva ou faça sol, cerca de 742 normas, leis, regulações ou decretos devem ser criados no Brasil.
Juntos, elas devem se somar às mais de 5 milhões já criadas desde a promulgação da Constituição Federal. Há praticamente uma delas para cada 40 brasileiros.
O resultado de tudo isso você já deve saber – e sentir na pele. Somos um país extremamente burocrático. Gastamos R$ 100 bilhões por ano apenas para cumprir as burocracias referentes aos impostos.
Em suma, você gasta R$ 1 para pagar R$ 32 em impostos.
Com este valor seria possível, por exemplo, triplicar o orçamento do Bolsa Família, ou, ainda, zerar o déficit público de 2019.
Poderíamos também decidir investir esses recursos, construindo saneamento ou, mais especificamente, nove vezes o que investimos na área em 2019. Poderíamos ampliar os investimentos em equipamentos de saúde (como hospitais, ambulâncias, clínicas etc), aumentando eles em 30 vezes.
Trata-se, porém, de uma enorme quantia completamente perdida.
Para piorar, essa não é a única quantia que jogamos pela janela com nossa burocracia. Segundo um estudo feito pelo pesquisador da FGV, Rafael Vasconcellos, o país poderia ser 146% mais produtivo caso corrigisse sua má alocação de recursos.
Eu sei que você deve estar pensando agora que tudo isso é uma questão já mais do que batida. Não há novidade alguma.
Todo brasileiro já nasce cansado de saber que somos um país burocrático, e ainda assim, seguimos neste caminho.
O que afinal impede o país de resolver essa questão e usufruir dos benefícios de uma economia mais livre e funcional?
Há algumas respostas para isso. Talvez a mais simples e prática seja a frase do economista americano Thomas Sowell:
O fato de que muitos políticos de sucesso são mentirosos, não é exclusivamente reflexo da classe política, é também um reflexo do eleitorado. Quando as pessoas querem o impossível, somente os mentirosos podem satisfazê-las.
É uma frase e tanto, e que contém uma boa reflexão cabe perfeitamente aqui.
Veja bem: temos R$ 327 bilhões por ano em desonerações e isenções fiscais, os tais “subsídios”.
Parece óbvio que um governo que não pode pagar as próprias contas deveria parar de abrir mão de dinheiro em favor de empresas, correto?
Ainda assim, o benefício para empresas na Zona Franca de Manaus, que custa R$ 25 bilhões por ano, e o benefício para montadoras, que custará outros R$ 40 bilhões, foram renovados recentemente.
Nosso empresariado quer um Estado ágil, enxuto, que gaste pouco para se manter, mas não abre mão de um Estado forte para investir e subsidiar seus setores.
Eles defendem o livre comércio e apoiam as causas liberais, mas estão ali, sentados em subsídios e regulações que os favorecem.
Na outra ponta, temos grupos que protestam contra uma Reforma da Previdência que elimine distorções na Previdência.
Trata-se de um grupo imensamente preocupado com a desigualdade, mas que acredita que acabar com aposentadorias aos 54 anos na classe média é o mesmo que impedir os mais pobres de se aposentarem.
Aliás, a Previdência, tema do ano passado inteiro, é outro exemplo de ineficiência. Gastamos por aqui 4,5% do PIB pagando pensões para aposentados e pensionistas do setor público.
Na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo que o Brasil está pedindo para participar, a média de gastos é de 1,5% do PIB.
Apenas essa correção liberaria algo como R$ 210 bilhões em gastos públicos. Algo transformador para o país, e muito mais relevante do que qualquer novo imposto.
Se o gasto público parece longe de mudar, a cobrança de impostos também, exceto por um aumento de carga tributária.
Temos no Congresso a PEC 45, da Reforma Tributária, que propõe a criação de um “Imposto sobre Valor Agregado”.
Em resumo, é um imposto único, de mesma alíquota e que seria cobrado em cima do valor de um produto. No modelo atual, há literalmente dezenas de impostos que variam de acordo com o produto.
Nosso sistema permite, por exemplo, que um prato como a feijoada seja taxado de quatro maneiras diferentes, a depender do que você utilizar na receita.
Um IVA, prática amplamente adotada no mundo há pelo menos meio século, permitiria que as empresas agissem de maneira mais racional.
Seria possível se planejar e investir utilizando os materiais que fossem mais eficientes, e não os que possuem melhor vantagem em impostos.
O imposto reduziria ainda a discrepância entre o setor de serviços, que paga menos impostos, e a indústria, que paga o dobro da carga tributária.
É um vespeiro que, se corrigido, poderia ajudar o país a se tornar mais produtivo, aumentando a riqueza média de cada trabalhador.
Nada disso, porém, passará no Congresso apenas por ser óbvio.
A Reforma Tributária, ao contrário, não é sobre como o brasileiro pode ficar mais rico, por uma razão para lá de simples: pessoas que alocam melhor seus recursos e progridem economicamente não associam essa questão necessariamente a pautas políticas.
Quer um exemplo?
Alguma vez você já parou e pensou “acho que hoje ganho R$ 5 a menos de salário porque o governo decidiu criar uma lei obrigando a Petrobras a comprar navios e plataformas de empreiteiras brasileiras.”
A resposta é um óbvio “não”. Ninguém associa coisas do tipo, mas elas existem. Podem ser medidas, inclusive.
Da mesma maneira, ninguém atribuiria ao político de ocasião o seu aumento de renda em função da mudança tributária.
Justamente por isso, a reforma tributária deixou de ser uma questão sobre o país, e ganhou contornos político-partidários.
Ao entrar neste campo, a reforma ganha tons de “matemágica”.
São contas simples, mas cujo resultado só se alcança agregando um pouco de mágica e “vontade política” aos números (tenho certeza de que você já ouviu algum político falando que basta ter vontade para mudar tudo).
Segue a conta: vamos tributar os mais ricos em 1%, agregar R$ 100 bilhões em arrecadação e assim solucionar a questão X.
O problema? Os números não batem, o valor é baixo diante do orçamento e o tema, que tem sua importância (afinal, o Brasil possui uma tributação regressiva, que pesa mais sobre os mais pobres), não possui impacto tão relevante em redução da desigualdade, fazendo desta apenas uma questão moral.
Você pode estar pensando que não há problema em o Estado direcionar suas políticas pautado apenas pelo efeito moral que elas agregam. Mas, no fim das contas, o objetivo de diminuir a pobreza se perde e dá lugar a uma luta de “nós contra eles”.
Se não é o exemplo preferido do seu “time”, temos ainda outros, como a CPMF, tratada como solução mágica para o custo trabalhista no país.
Contratar um funcionário por aqui pode custar até 103% entre impostos e direitos trabalhistas. É um problema que reduz o número de trabalhadores formais. A solução, porém, não está em fazer todo mundo pagar um pouco para reduzir o custo do empresariado.
Há outros meios de se fazer isso, como mostrou a Reforma Trabalhista.
O fato é que este tipo de solução fácil, em que um imposto magicamente resolve a questão, vai passar no Congresso.
Teremos campanhas políticas daqui pra frente tentando lhe convencer de que tudo foi uma boa ideia. E, para piorar, lhe fazer acreditar que a economia agora cresce não porque os recursos estão sendo melhor investidos, mas porque esta solução partiu do grupo político X ou Y.
Uma reforma que deveria ser sobre racionalidade econômica, acaba se tornando algo voltado para agendas políticas.
E as agendas são inúmeras, não se restringido apenas aos impostos mágicos que solucionam problemas complexos.
Em campanhas, também adoramos ouvir discursos como “o Brasil é o único país do mundo que não tributa o lucro”.
A referência é clara em função da isenção de dividendos, mas esconde uma outra questão: somos um dos países que mais tributa o lucro das empresas.
Poderíamos resolver essa questão. E, ao que tudo indica, a taxação de dividendos estará na reforma. Mas seria razoável esperar uma redução de carga tributária sobre o lucro de empresas (34% para empresas ou 45% para bancos), como fizeram outros países reformistas, como a Suécia dos anos 1990 (o imposto sobre lucro das empresas por lá é de 21%). Afinal, ter um imposto sobre dividendos e um dos maiores impostos sobre lucros das empresas ao mesmo tempo, teria um efeito complicado.
Mesmo sendo o país que mais elevou sua carga tributária no mundo durante a última década, nos recusamos a discutir a maneira como esses recursos são gastos, e apelamos para as soluções mágicas, fingindo que tudo é uma questão cobrar mais do grupo A ou B.
A jornada de recuperação da economia é difícil, mas possível de ser feita. Sabemos exatamente o que fazer, e não é de hoje. Já em 2008, por exemplo, a proposta de Reforma Tributária que está no Congresso foi apresentada.
Da mesma maneira, a Reforma da Previdência de 2019 contemplou pontos que já eram discutidos em 1997 e assim por diante.
Temos um receituário prático, e que poderia ser implementado, mas segue travado no Congresso em função de disputas políticas.
Tudo isso mantendo a lógica do jornalista americano Henry Mencken que definiu:
Para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada.
Inverter essa lógica e encarar a complexidade dos problemas é, e sempre será, a maneira mais sustentável. Não há caminhos fáceis, como também não há nada perdido.
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