É hora de comprar imóvel no interior de SP? Veja como a pandemia mudou o mercado de cidades próximas à capital
novembro 1, 2020
SÃO PAULO – A despeito da pandemia e dos seus efeitos econômicos, o mercado imobiliário no Brasil vem atravessando este ano atípico com um saldo positivo no embalo da Selic em seu menor patamar histórico, que resulta em taxas de financiamentos mais baratas, mas em parte também pelo distanciamento social, que fez as pessoas refletirem sobre seus espaços e buscarem novos imóveis após o confinamento forçado.
Com a busca por mais qualidade de vida e espaços maiores, um movimento de êxodo urbano foi identificado. “As pessoas estão buscando imóveis maiores e mais ar livre em cidades menos densas como reflexo do período de confinamento”, diz Pedro Tenório, economista do Grupo Zap, que administra marcas como ZAP, Viva Real e Conecta Imobiliário.
De acordo com dados do Imovelweb, plataforma de anúncios imobiliários, a busca por imóveis no interior aumentou 28% entre março e setembro deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado. E só em junho chegou a subir 60%, contra o mesmo mês do ano passado.
“As pessoas queriam uma fuga do confinamento depois de um, dois meses isoladas. E ainda há demanda: em setembro houve uma alta de 19% nas buscas por imóveis no interior na comparação com o mesmo mês do ano passado”, explica Angélica Quintela, gerente de marketing do Imovelweb, plataforma de anúncios imobiliários.
Aumento de preços
Na esteira do aumento das buscas, os preços de imóveis para compra em algumas cidades do interior aumentaram, com destaque para casas de alto padrão.
Jean Caridá, dono da imobiliária Caridá Gestão Imobiliária, conta que o aumento na busca por casas em condomínio à venda na região de Itu, a 75 quilômetros de São Paulo, aumentou 400% entre abril e setembro na comparação com o início deste ano e o preço dos imóveis de alto padrão subiu pelo menos 40%.
“O crescimento nas buscas por casas em condomínio foi surreal. Mas o público que está comprando é quem tem dinheiro e grande parte vem de São Paulo: 90% das vendas foram para clientes da capital paulista”, explica.
Ainda mais perto de São Paulo, Alphaville também está experimentando um aquecimento no seu mercado imobiliário.
“A procura foi estrondosa. Alguns imóveis tiveram aumento de 50% no preço na pandemia. A região já vinha de um bom momento pré-pandemia e depois que passou o primeiro susto enfrentamos um aumento de demanda enorme. Os preços subiram e ainda têm espaço para crescer. Mesmo os imóveis mais antigos subiram em alguns casos”, explica Gilberto Deodato, diretor-executivo da Next Alphaville, imobiliária especializada em condomínios de alto padrão.
Movimento não é generalizado
Em cidades como São Roque, segundo Welerson Lira, dono da Lira Consultoria Imobiliária, houve uma procura por compra de imóveis e mais ainda por locação de casas, porém em ambos os casos os preços não subiram como em outras regiões. Ele trabalha com condomínios de médio e alto padrão.
“A procura por compra de casas teve um aumento de 10% a 15% na pandemia em relação ao início do ano, mas os preços não tiveram alterações significativas”, conta o corretor.
No entanto, ele ponderou que em alguns condomínios de alto padrão na região, como o Bella Roma e o Quinta das Videiras, alguns imóveis tiveram fortes valorizações neste ano. “Você encontra casas para comprar com valores bem acima do praticado pelo mercado, mas são poucas as disponíveis. Os imóveis de alto padrão seguem caros”, diz.
Em Campinas, considerando o período entre abril e setembro de 2020 contra o mesmo período de 2019, o aumento do preço médio de compra foi de apenas 3%, de acordo com dados do Grupo Zap, que levantou para o InfoMoney a variação média do metro quadrado de algumas cidades do interior de São Paulo.
A capital paulista apresentou um comportamento similar no mesmo período, com os preços subindo 3%, de acordo com dado do Grupo Zap.
Em Piracicaba, outro exemplo: entre abril e setembro deste ano, a cidade apresentou uma queda de 1% nos preços na comparação com o mesmo período de 2019.
Casas em condomínio registraram os maiores aumentos
Tenório explica que, apesar de a busca por imóveis no interior ter subido, não necessariamente o movimento se converteu em aumento das compras e, consequentemente, dos preços.
“Muitas pessoas podem ter procurado, mas nem todos compraram ou alugaram. Não temos um salto de preços em todas as regiões e essa migração para o interior não é tão significativa quanto se pensou que seria no início da pandemia. É uma possibilidade limitada a uma classe específica da população que não é, nem de longe, a maioria”, explica Tenório.
Por isso, o que pode se observar é que o aumento de preços no interior aconteceu para algumas tipologias específicas de imóveis, como casas em condomínios, em regiões e bairros com características alinhadas ao que as pessoas estavam buscando na pandemia: locais tranquilos, ao ar livre, com mais espaço.
Alberto Azjental, coordenador do curso de Desenvolvimento de Negócios Imobiliários da Fundação Getúlio Vargas (FGV), também acredita que o êxodo urbano é um micromovimento.
“Pode ter tido uma migração para o interior? Sim. Mas no Brasil quem pode comprar um segundo imóvel ou mesmo pagar dois aluguéis? Considerando as classes mais altas da sociedade, uma demanda pela segunda casa, de campo ou veraneio pode ter acontecido. Mas ninguém saiu vendendo a casa onde mora”, diz Azjental.
Ele acrescenta que nem todo mundo está em home office e, dentre os que estão, poucos sabem com exatidão se o trabalho remoto será mantido e por quanto tempo.
“E isso também tem a ver com a renda. Geralmente, os trabalhos braçais são presenciais e costumam pagar menos do que as posições mais administrativas, por exemplo”, complementa o professor da FGV.
De fato, o home office é a realidade de uma parcela pequena dos profissionais do país. O levantamento mais recente do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que 8,4 milhões de pessoas estavam em home office em julho, o que representa apenas 10% dos 81,4 milhões de ocupados no país.
Por isso, para Tenório é um exagero cravar que esse movimento de êxodo urbano vai ganhar tração e virar uma realidade de mais pessoas no ano que vem.
“A pandemia vai passar e, para muitas pessoas, a rotina mais flexível não virará realidade e morar longe do trabalho pode perder o sentido. Você não encontra o mesmo volume de empregos que existe no eixo Faria Lima-Berrini em outras cidades facilmente e isso atrai pessoas para São Paulo. Teoricamente não há tantas oportunidades de empregos em locais menos aglomerados”, pondera Tenoório.
Veja o estudo do Grupo Zap em cinco cidades do interior para compra: Campinas, Jundiaí, Piracicaba, São José dos Campos e Sorocaba. O levantamento considera todas as tipologias de imóveis e faz uma análise geral do mercado imobiliário dessas cidades.
Compra
Variação do preço médio do metro quadrado para compra
São Paulo | Campinas | Jundiaí | São José dos Campos | Sorocaba | Piracicaba | |
1° trimestre 2020 (ante 4° tri 2019) | 0,7% | 0,5% | 0,7% | 1,3% | 0,7% | 0,5% |
2° trimestre 2020 (ante 1° 2020) | 0,9% | 1,3% | 0,8% | 0,5% | 0,3% | 2,2% |
3° trimestre 2020 (ante2° tri 2020) | 1,2% | 1,3% | 1,2% | 0,9% | 1,4% | -0,9% |
Acumulado 2° e 3° tri 2020 (ante 2° e 3º tri 2019) | 3,0% | 3,0% | 1,0% | 4,0% | 1,0% | -1,0% |
A tabela mostra que, de maneira geral, os preços subiram, mas não apresentaram variações significativas.
Em Campinas (3%) e Jundiaí (1%), por exemplo, pode-se observar uma variação positiva nos preços. “No auge da crise, em abril e maio, as cidades registraram um aumento, que pode ter sido efeito do êxodo urbano, com as pessoas buscando moradias em cidades próximas a São Paulo e que têm boa infraestrutura”, explica Tenório.
De fato, o movimento foi observado pela Associação das Empresas e Profissionais do Setor Imobiliário de Jundiaí, um braço do Secovi-SP na região, mas em uma escala bem maior considerando o início do ano e os meses pós-pandemia.
José Pedro Menten, diretor da entidade, conta que o aumento na busca por casas de dois, três e até quatro dormitórios para compra cresceu cerca de 40% na região de abril a setembro, em relação ao período pré-pandemia. As imobiliárias da associação atendem segmentos de alto, médio e baixo padrão.
Inclusive, o estudo mostra a evolução positiva dos preços desde o primeiro trimestre deste ano em Jundiaí. “Teve uma procura expressiva desde abril e, no caso de compra, dois fatores principais estimularam o movimento: a pandemia, com as pessoas querendo fugir da cidade grande e os juros baixos”, diz.
Ele disse também que houve um problema de oferta. “Muita gente veio procurando casa, mas faltaram opções disponíveis, então teve cliente fechando compra de apartamento mesmo. Imóveis de R$ 400 a R$ 600 mil foram os mais vendidos. E os preços subiram cerca de 15% a 20% em uma média geral”, diz.
Em Sorocaba, o estudo mostra um aumento tímido de 1% no preço do metro quadrado entre 2019 e 2020, mas ao analisar o mercado imobiliário da cidade com uma lupa maior o cenário também muda. O corretor Fabio Maranhão, proprietário da Padrão Negócios Imobiliários, diz que os preços de casas de condomínio da cidade chegaram a subir 20% na comparação com o início deste ano.
“A busca por esse tipo de imóvel aumentou 40% com muitos clientes de poder aquisitivo maior buscando casas em condomínios para fugir de São Paulo e fazer o home office aqui”, disse.
Eduardo Zylberstajn, head de pesquisa e inovação da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), diz que o fato de algumas cidades do estudo apresentarem variações bem menores do que as citadas pelos corretores comprova a tese de que o movimento do êxodo urbano pode estar acontecendo em nichos, e não aconteceu de maneira generalizada.
É hora de comprar imóvel no interior?
Um relatório do banco Credit Suisse avalia que o setor imobiliário no Brasil vive um de seus melhores momentos, impulsionado pelas baixas taxas de juros e diz que a dinâmica positiva deve se estender por outros anos, mas os preços do mercado imobiliário de forma geral devem aumentar em 2021.
Para Tenório, mesmo que a variação de preços, na média, não tenha sido alta, ela aconteceu e, ao observar tipologias e regiões específicas, o aumento pode ser sido, sim, significativo.
“Em geral, não apenas no interior, é um bom momento para comprar um imóvel aproveitando a Selic em seu menor patamar. A taxa pode voltar a subir antes do imaginado, então pode ser uma boa oportunidade. Mas para escolher a cidade é preciso refletir mais. Campinas, Sorocaba, Jundiaí têm preços em ascendência. De repente, Piracicaba pode ter oportunidades por preços mais baixos”, diz o economista.
Na mesma linha, Dario Ferraço, sócio da SF Consultoria, também acredita que pode ser um bom momento para investir na compra de um imóvel. Ele diz que muitos clientes preferiram adiar a compra achando que os preços iam cair por causa da crise, mas não foi o que aconteceu.
“Não teve uma disparada, mas os preços se mantiveram e até subiram um pouco. O cenário é diferente do que se viu na crise de 2015, quando as construtoras tinham que queimar estoque e vender barato para reorganizar o fluxo de caixa. Desta vez, as construtoras não têm muito estoque, são casos pontuais. O preço dos lançamentos vai aumentar e, automaticamente, esse ganho de preço vai perdurar por alguns anos”, explica.