A vez da governança nos investimentos ESG
outubro 1, 2020A sigla ESG (Environmental, Social and Governance) tem sido cada vez mais comum no dicionário dos investidores e, consequentemente, dos executivos de grandes empresas. O termo reflete a mudança nos parâmetros de análise de empresas que, mais do que o resultado financeiro, focam também na sustentabilidade do negócio, sob a perspectiva dos pilares Ambiental, Social e de Governança.
O contexto atual brasileiro e as recentes tragédias ambientais lançaram luz, justificadamente, sobre o primeiro pilar da sigla. Os parâmetros de governança, entretanto, têm assumido cada vez mais importância. Além da estruturação dos órgãos decisórios, Governança inclui também as políticas, as regras e os controles internos das empresas, assim como a auditoria e o compliance.
Por muito tempo, a adoção de regras e controles internos nas empresas limitou-se à reação às exigências legais. Não por outro motivo, frequentemente observa-se o setor de “compliance” caracterizado como mera função burocrática de cumprimento regulatório ou, pior, como obstáculo às atividades principais da empresa.
Esse contexto vem mudando. Os últimos anos de grandes operações policiais no Brasil representaram um indicativo importante dos riscos jurídicos, financeiros e reputacionais a que os agentes do mercado estão sujeitos. Isso trouxe duas consequências principais.
De um lado, as buscas e apreensões, conduções coercitivas e prisões preventivas demonstraram a rápida e exponencial destruição de valor a que está sujeita uma empresa envolvida em uma investigação penal. Em uma das fases da chamada Operação Lava Jato, a busca e apreensão na residência do sócio de uma instituição financeira causou a desvalorização das ações dessa instituição em mais de 15% em um único dia.
De outro lado, a utilização do sistema financeiro para ocultar e dissimular valores obtidos em práticas ilícitas também destacou o papel dessas instituições de atuar como gatekeepers, guardiãs do sistema financeiro responsáveis por empregar procedimentos e controles para evitar que o dinheiro sujo, fruto desses crimes, seja reinserido na economia formal.
O papel desses controles internos na avaliação da governança de instituições evidenciou-se em maio de 2019, quando dois dos principais proxy advisors, Institutional Shareholders Services (ISS) e ECGS recomendaram que investidores manifestassem seu voto de não confiança em relação à administração do Deutsche Bank, ressaltando especificamente a cultura de risco e as falhas nos controles de prevenção à lavagem de dinheiro. Tanto ISS quanto ECGS destacaram a responsabilidade dos altos executivos nas falhas de adoção de controles efetivos de prevenção à lavagem de dinheiro.
O foco na responsabilidade da alta administração das instituições é um dos principais pilares da nova regulamentação da CVM sobre prevenção à lavagem de dinheiro, que entra em vigor neste dia 1 de outubro (Instrução CVM 617/2019).
As novas regras impõem às instituições atuantes no Mercado de Capitais (corretoras, distribuidoras, gestoras e administradoras de fundo, dentre outras) a necessidade de identificar os riscos de seus clientes, produtos, parceiros e canais de distribuição para fins de lavagem de dinheiro. Mais do que cumprir uma lista de requisitos legais, essas empresas devem ser capazes de identificar seus próprios pontos de exposição e tomar medidas efetivas que enderecem eventuais fragilidades.
Com vistas a garantir efetividade da chamada Abordagem Baseada no Risco, a Instrução exige o envolvimento da alta administração das instituições na estruturação e implementação das políticas de prevenção à lavagem de dinheiro. Essa mudança supera a lógica do compliance como mero cumprimento regulamentar burocrático, elevando a responsabilidade da implementação de controles efetivos aos mais altos escalões da administração da empresa.
Em que pesem a incerteza e os altos custos de observância, as alterações normativas vão ao encontro do contexto atual, em que investidores exigem uma atuação sustentável e proativa das empresas. Mais do que a mera conformidade regulatória, boas práticas de governança demandam uma liderança forte e consciente, que atue de forma a evitar que seus negócios sejam, mesmo sem seu conhecimento, usados por terceiros para ocultar recursos de origem ilícita.
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