14 anos e R$ 7,4 bilhões depois, EBC segue sem previsão de ser privatizada

14 anos e R$ 7,4 bilhões depois, EBC segue sem previsão de ser privatizada

março 10, 2021 Off Por JJ

Foi em 4 de setembro de 2020 que o Presidente da República se deslocou, junto ao Ministro da Justiça, para o Vale do Ribeira, em São Paulo.

A agenda oficial previa uma visita ao Sesi, que iria inaugurar uma nova obra para atender os 800 alunos da unidade.

A visita, entretanto, acabou sendo desmarcada por problemas logísticos. Na oportunidade, o presidente aproveitou para acenar aos motoristas de caminhão que passavam pela rodovia, ao lado de um posto da PRF.

Das cerca de 1 hora e 10 minutos que Bolsonaro permaneceu acenando, a TV Brasil, emissora estatal, passou 10 minutos transmitindo.

Como apurou o UOL, eventos do tipo, como a participação do presidente em cinco formaturas militares e duas visitas a escolas cívico-militares, custaram ao menos R$ 162 mil aos cofres públicos entre julho e novembro do último ano apenas com a transmissão pela TV Brasil.

Com um canal de televisão, sete rádios e uma agência de notícias, a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) se confunde, desde sua criação, com uma agência de governo, sua função prática, ante uma agência de comunicação do Estado, sua função na teoria.

Na prancheta, em 2007, quando da sua criação, no governo Lula, a EBC seria uma espécie de “BBC”, a renomada rede de comunicação britânica, cuja existência se deve aos pagadores de impostos britânicos, mas cujo conteúdo apresenta relativa independência e crítica aos governos de ocasião.

No período da sua criação, a ideia de que os pagadores de impostos viessem a contribuir foi consolidada por meio da CFRP, a Contribuição de Fomento da Radiodifusão Pública, que por sua vez receberia 5% dos recursos do Fistel, um fundo de fiscalização de Telecomunicações que arrecadou R$ 2,6 bilhões em 2019, pago pelas operadoras de telefonia (ou basicamente, da sua conta de telefone).

No caso da EBC, porém, a medida permaneceu “travada” em disputas judiciais com as operadoras, tornando a estatal dependente de recursos do Tesouro.

De 2007 pra cá, a empresa consumiu R$ 7,4 bilhões dos cofres públicos, segundo dados do Portal da Transparência, com despesas de cerca de R$ 500 milhões em 2019 para o Tesouro.

Seu orçamento total (que inclui rádio, TV e agência de notícias) equivale, por exemplo, a 50% mais do que a TV Band, ou o dobro da Rede TV e da FSB, maior agência de comunicação do país.

No caso da estatal, cerca de R$ 326 milhões foram destinados para o pagamento de despesas com pessoal, uma média de R$ 181 mil por funcionário/ano, entre salários e custos trabalhistas.

Em 2017, época do governo Michel Temer, uma reportagem do Estadão apurou que eram ao menos 83 funcionários recebendo acima de R$ 20 mil líquidos (sem incluir os custos trabalhistas), com salários até seis vezes maiores do que a média do setor privado em determinadas áreas.

Na época, os gastos com pessoal respondiam por cerca de 56% das despesas da estatal.

Por se tratar de uma empresa dependente do Tesouro, orçamento e faturamento devem ser olhados com cuidado.

No caso da EBC, o faturamento próprio advindo de atividades comerciais equivale a R$ 34 milhões, segundo o balanço de 2019 (o último ano completo publicado). O restante, em sua maioria, advém de aportes do Tesouro (além de receitas financeiras).

Segundo uma nota da própria empresa, a TV Brasil consome cerca de R$ 150 milhões do valor do seu orçamento, o que, a julgar pela sua audiência média de 0,31 pontos no Ibope, significa um orçamento destinado a produzir uma programação assistida por 23,4 mil espectadores.

Cabe ressaltar, porém, que os dados sobre faturamento, repasses, receita líquida e outros gastos costumam divergir bastante conforme a fonte.

Em falas públicas, o Ministro das Comunicações já declarou se tratar de um rombo de “R$ 550 milhões”, algo que o balanço e as notas publicadas na imprensa divergem.

Neste caso, ficamos com a versão do balanço auditado da empresa disponível neste link aqui.

Em termos de audiência, a TV Brasil, que chegou a ser apelidada de “TV Lula”, figura em 7º lugar no país.

O apelido, a despeito de ser amplamente rejeitado pela direção da empresa, não deixa de ter bases empíricas.

Publicada pela revista Época em 2018, uma análise do principal programa de entrevistas da emissora, o Espaço Público, constatou que, de 103 entrevistados no programa, cerca de 71 foram feitas com políticos ou intelectuais com identificação pró-governo (entre 2014 e 2016, época do governo de Dilma Rousseff); apenas três foram feitas com pessoas de oposição, com o restante não tendo “viés declarado”.

Em outra ocasião esdrúxula, em 11 de abril de 2016, também durante o governo Dilma, a TV Brasil transmitiu durante horas um comício contrário ao “golpe”, incluindo um discurso do ex-presidente Lula.

Ainda em 2018, durante o governo Temer, membros do governo se queixavam de “indisciplina” por parte dos jornalistas, que se recusavam a cobrir matérias consideradas negativas ao ex-presidente Lula (ao mesmo tempo que os funcionários se queixavam de ter de produzir matérias elogiosas ao governo).

A independência da EBC poderia ter vindo, segundo diretores da estatal, com o concurso realizado em 2013, que previa corrigir um erro, ou mais especificamente, o fato de que 70% dos funcionários não possuírem vínculo por meio de concurso público, sendo passíveis de indicações políticas.

Na época, o quadro de pessoal da empresa saltou de 1.476 para 2.412, acomodando os concursados sem grandes alterações no quadro de comissionados.

Desde 2017, porém, a empresa vem sofrendo cortes no quadro de funcionários, além dos comissionados. Ao todo, são cerca de 1.800 funcionários hoje.

O caso dos comissionados, entretanto, continua a assombrar a EBC. Segundo relata a coluna de Lauro Jardim, o general do exército Luiz Carlos Pereira Gomes, ex-presidente da estatal, comandou a empresa com cerca de 48 comissionados em seu gabinete.

Em maio de 2020, o governo editou Medida Provisória para autorizar estudos de parcerias com a iniciativa privada, e a possível privatização da estatal.

Menos de um mês depois, porém, a estatal passou para o comando do Ministério das Comunicações, recriado pelo governo em junho.

Segundo o novo ministro, a ideia de privatizar ou encerrar a estatal está descartada. O motivo? O déficit da empresa é muito alto. O governo agora busca equacionar receitas e despesas e não mais extinguir a empresa.

O problema? A estatal possui, segundo o último balanço publicado, uma receita própria equivalente a 9,2% do total gasto com a prestação de serviços.

Um estudo do início de 2019 avalia que equipamentos da emissora estejam avaliados em R$ 70 milhões, valor insuficiente para cobrir mais do que um trimestre de déficit.

A promessa de campanha de extinguir a “TV Lula” agora esbarra nas dificuldades práticas para tal. O valor comercial da estatal é nulo, ou negativo, e seu valor como veículo de comunicação, atraente para o governo.

Enquanto promove cortes de funcionários, a estatal negocia também a compra de novelas da Record, em um sinal de aproximação com a emissora que tem defendido o governo em sua grade de programação.

O uso político da empresa também está presente nas transmissões, como o jogo entre Brasil e Peru que contou com saudações e abraços ao presidente por parte do narrador.

Há ainda a ideia de expandir um braço internacional para a EBC, que permitiria “melhorar a imagem do Brasil no exterior”. Em maio do último ano, a empresa começou a transmitir na África.

Hoje sob o comando do “Centrão”, a estatal vai vivendo momentos antagônicos. Deixa de ser um feudo para militares e passa a contratar diretores com experiência comercial, ao mesmo tempo em que segue os caprichos do governo em ter uma rede de comunicação própria.

Enquanto ainda se discute o que fazer com a empresa, a EBC deve levar este ano cerca de R$ 392 milhões do orçamento da União (segundo a LOA), totalizando R$ 1,3 bilhão nos três primeiros anos do governo, eleito com dentre outras promessas a de “extinguir” a TV em seus primeiros meses.